Os Gauchos e Eu –Primeiro Contato

Foi com curiosidade que , sentado na mureta de pedra a vista do jardim de minha casa observei  o grupo de pessoas   se instalando na casa defronte,carregados de caixas,malas e pacotes.Nossa casa  foi construída  em um lote alto , e uma rampa  descia desde o portão de serviço até a lateral do lote e depois invertia o sentido e tornava a descer ate o nível da rua.Deste modo minha visão lá do alto  era ampla e privilegiada.Era fácil notar um senhor  de estatura mediana,tez morena,cabelo bem preto,cuidadosamente partido de lado, liderando as ações de transporte  das coisas para dentro da casa ,recém alugada.Eram cinco pessoas;este já mencionado senhor,uma senhora,certamente sua esposa,um rapaz e duas mocinhas.Desci mais um pouco  e me sentei  novamente na mureta do jardim,acompanhado do cão pastor alemão  Jango de nossa casa.Em dado momento , aquele senhor olha pra mim,diz alguma coisa pra senhora e atravessa a rua em direção  ao portão de entrada de nossa casa.Ele sobe até o meio da rampa,olha pro animal e pergunta alguma coisa.E eu ali completamente mudo.Ele repete a pergunta e,só na terceira tentativa traduzi que ele perguntava o nome do cachorro.

__O  nome dele é Jango

__Como?

__Jango

__Ah!  Jango,e foi logo emendando: Meu nome é Clovis Machado ,sou o novo gerente da Varig para Minas Gerais e sou gaucho.

__E Jango é o nome dele,não é?

Estávamos em 1963,João   Goulart era o presidente,a política fervilhava , era gaucho e tinha o apelido de Jango

Achei melhor  explicar.O nome do cachorro era devido ao fato de existir  na fazenda Santa Cruz  de meus avós um cachorro com esse nome.Não tinha qualquer correlação com figuras políticas.

Tentamos conversar mais alguma coisa mas  o papo morreu ali.Retornei ao interior de minha casa e minha mãe   me perguntou de que falava com o novo vizinho.

Não consegui entender   metade do que ele falou.O

 cara fala enrolado.Me parece um cara falando português de Portugal.

Corta  para ele retornando a sua casa:

__O que falaste com o guri,pergunta a esposa

__Só sei que o nome do cão é Jango.Depois não entendi mais nada.O guri fala muito embolado.

Dois meses depois eu estava namorando a filha dele.E aí nossa falta de entendimento foi de outra natureza.Batemos de frente algumas vezes.Ele tinha o gênio forte e eu também..Uma vez estava eu com a Maria Helena sentados na mureta do jardim quando ele chegou com a Kombi da Varig.Ele parou o carro em cima do passeio,abriu o portão de entrada,entrou com o veiculo,voltou e fechou o portão com violência.Eu me levantei ,abri novamente o portão e tornei a fecha-lo  com a mesma violência.Voltei e me sentei novamente.Mas ai a guria se cansou de tudo aquilo e me mandou passear.E o mundo continuou…..

A guilhotina

Após um dia exaustivo de trabalho o Duarte atravessa   a portaria da Usina    e ,a pé toma o rumo do Bairro Cariru , e em seguida sobe o morro em direção ao bairro Castelo e, finalmente chega a sua casa.Era a primeira  logo  após a subida.de onde poderia se ver lá embaixo ,no fundo de seu quintal  as águas indolentes do Rio Piracicaba,pouco antes de encontrar as águas do Rio Doce.deveria ser uma distancia de pouco mais de 100 metros de seu quintal até a margem.Trecho esse coberto de mata  não muito fechada,mas densa o suficiente para abrigar pequenos animais, inclusive alguns do tipo rastejante.E ai  alguém poderia perguntar:Por que cargas dágua o Duarte ia a pé,quando todos os demais moradores iam nas kombis de rodízio?E eu ,orgulhoso de saber a resposta,vou logo dizendo:nosso dileto amigo está  fazendo seu treinamento físico para se sair bem no teste de esforço na próxima semana.Terminado o teste ,ele depressinha volta para o rodízio e somente daqui a dois anos,no próximo exame periódico o pilantra volta a treinar.Pois bem,suado e ofegante  pela subida,, entra pela porta ,grita um alô  pra patroa e sem esperar resposta ,vai direto pro chuveiro.Depois de um bom banho,resolve  reabastecer o tanque e toma uns birinaites,acomoda-se na poltrona,assiste ao Jornal Nacional,toma a saideira e vai dormir.Ou pelo  menos pensa que vai.Mas as noticias da queda da Bolsa espantam-lhe o sono..Olha pra mulher ao lado, em sono profundo,pensa em algo mais interessante,mas desiste.Começa então a contar carneirinhos,mas muda de ideia e começa a contar casas,porque casas ele    tem e carneirinhos ele não tem.Ainda sem conseguir domir,ouve   fora do quarto ,logo abaixo  da janela, um leve ruído de folhas secas  farfalhando..Levanta-se, e, cauteloso e sorrateiro aproxima-se da janela,abre-a silenciosamente  e inclina-se para ver. Lá embaixo  um vulto escuro passeia sinuosamente por entre as folhagens do jardim.Uma cobra no meu jardim!!E sai do quarto  ligeirinho à procura de algo pra executar a  atrevida  e indesejavel  visitante noturna.Finalmente encontra ,na frente da casa,uma lajota de ardósia,volta à janela,e  lá do alto deixa cair a guilhotina fatal.E,lá de baixo vem o som estridente da peçonha mortalmente ferida:

___Miauuuuuuu….

Na manhã seguinte,ao sair de casa para retomar o treinamento e descer a pé  em direção ao trabalho ,alguém grita da casa vizinha:

__Ô Duarte,você  não viu o Montesquieu  por ai não?

__Quem?

__Montesquieu,meu gato.

__Olha  Guilherme,vi não.O que tenho visto mesmo,é cobra.E inicia apressadamente sua caminhada..Já no escritório vai direto ao telefone.

__Alô, aqui è o Romeu do Serviço Medico.

__Bom dia  doutor.É o Duarte falando

__Olá Duarte.Bom dia.O que que há?

__Doutor é o seguinte:Ainda dá pra incluir um exame de vista no meu periódico?

__Claro.Mas o que você está sentindo?

__Remorso doutor!Muito remorso!

A Estrada da Vida

Acredito que cada um de nós ,ao nascer, já tem traçada para si uma estrada a percorrer.Nunca será possível saber,de forma antecipada,o que esse caminho lhe reserva.Podemos,a cada momento  dar uma olhadela para trás,e daí tirar algumas conclusões.É dessa maneira que me comporto.E, quando assim procedo ,percebo que nessa minha trajetória,coisas boas e coisas ruins aconteceram.È dessa maneira, com altos e baixos,que esse chão vai sendo  percorrido.Acontece na vida de todas as pessoas.Nessa minha caminhada,vivenciei de tudo e vi de tudo. Já fui vitima de traições,não amorosas, mas de condutas  de pessoas de quem jamais deveria partir ou de quem nunca esperava. Já  sofri   humilhações,insultos  , ofensas          gratuitas     ,discriminação,quebra de palavra empenhada com cínica e hipócrita desfaçatez,.Já fui vitima de mentiras pérfidas  e propositais que me levaram  a emitir declarações falsas em documentos.Felizmente  corrigidas quando descobertas.Até ideias propostas por mim em um projeto,uma desqualificada jocosamente e logo implementada , e outra  adotada como  se dele fosse,isso na minha frente,sem ao menos ficar ruborizado, me foram roubadas..Essas coisas ruins tem seu lado positivo.Elas vão te ensinando  a levar a vida.A conhecer o caráter  de quem as comete.Elas te enrijecem a pele  mas também massacram o seu peito e dilaceram o coração.Mas aí as coisas boas restabelecem o  equilíbrio e renovam as suas forças  para continuar a caminhada.Eu estou  perto de ultrapassar uma ultima curva dessa minha estrada que me libertará de ter que olhar para trás.A partir daí, minha caminhada  terá outra dimensão,outro significado,outro horizonte .Jamais    precisarei girar a cabeça e olhar pelos ombros   para a  poeira suja que ficou.Olharei resolutamente para a frente e para os lados.Ali estarão minha  esposa, minhas filhas,meus genros, meus netos,e meus amigos.Nunca  mais terei receio das curvas que virão.E , sei ,que  um dia haverá uma ultima curva e nenhuma estrada.Mas as energias etéreas hão de me permitir vislumbrar `a minha frente  meus entes queridos percorrendo as suas estradas.E ao longe as pessoas ouvirão os sinos tocarem e se perguntarão: por quem os sinos dobram?E, onde quer que eu esteja,se puder,responderei:

Eles dobram por mim

Por   ti

Por todos aqueles  que percorrem a sua estrada com dignidade.