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Os gaúchos e eu – Santo Angelo
Após deixar Cruz Alta ,seguimos para o oeste,passando por Ijuí até cruzar para a margem direita do rio de mesmo nome, e chegarmos a Santo Angelo.Engraçado,mas deve haver alguma lei estadual determinando que as cidades gauchas tenham,todas elas,uma rua 15 de Novembro.Santo Angelo tinha a sua,e, exatamente nela ficava a residência do Seu Aparicio Lemos e D. Adelaide,sua esposa,irmã de minha sogra.Eu já os conhecia pois foram nossos padrinhos de casamento.Foi um contato muito rápido.Eles chegaram em Belo Horizonte no sábado e o casamento foi na segunda-feira.Um dia conto por que nos casamos numa segunda-feira.Pois bem a cerimônia foi às 19 horas na Basilica de Lourdes e em seguida fomos pra recepção na Churrascaria Farroupilha ,de propriedade de meu sogro.Dali mesmo saímos em viagem de lua de mel.Não houve tempo para maiores conhecimentos .Embora um pouco mais tranquilo após a acolhida que tivemos em Cruz Alta ,o fato é que aquela família ainda me era praticamente desconhecida.Mas pela segunda vez em dois dias,aquele ar de mineiro desconfiado foi dando lugar a uma atmosfera de descontração,de sentimento de acolhimento ,de se sentir- em casa ,entre amigos de convivência de longa data.As conversas fluiam de maneira expontanea,natural ,divertida até.Seu Aparicio,D. Adelaide.sua filha Terezinha,o genro Luis – este,patrono de cartas minhas para Maria Helena,endereçadas ao Banco do Estado do Rio Grande do Sul,onde ele trabalhava,e, repassadas secretamente para ela ,quando em férias lá no Sul – faziam com que o tempo passasse sem que nos déssemos conta.
No terceiro dia fomos todos pra fazenda Sta. Terezinha , nas proximidades das ruínas de São Miguel das Missões.A sede da fazenda ficava no alto de uma coxilha.Cerca de oitenta metros abaixo da frente da casa,havia um banhado seguido de uma capoeira densa o bastante para proteger nascentes e servir de abrigo e refugio para os animais silvestres..A casa era bastante confortável,sem ostentação,com moveis sóbrios,e uma cozinha ampla com uma mesa grande tomando boa parte do espaço.Lá fora o vento e o frio varriam as coxilhas sem trégua.
Lá dentro,na cozinha um grande fogão ,conhecido dos mineiros como “fogão de colono”, de seis bocas,ou seriam oito? era alimentado por seis portas,onde a lenha cuidadosamente aparada, era constantemente renovada. De dia fogão, lareira à noite.Ali eram servidas todas as refeições, do café da manhã ao jantar.
Seu Aparício punha-se de pé entre 4:30 e 5:00 da manhã e já o fazia impecavelmente usando seu lenço no pescoço,suas bombachas ,suas botas e esporas.Seu chapéu ficava ali pendurado ao lado da porta, bem a mão caso precisasse.Seu primeiro compromisso do dia era ,ali mesmo na cozinha.De pé , com uma bota apoiada na trava de uma cadeira ,cumpria a sagrado ritual de matear.Só depois disso atravessava o umbral da porta da cozinha para o pátio do poço , ia até os galpões ,inspecionava os afazeres do dia e só então retornava para o café.Era um homem de estatura mediana, de fala mansa mas era econômico nas palavras.Falava o necessário..A voz tinha um timbre agradável e suave.Seu sorriso era curto com os lábios levemente retraídos. Nunca o vi dar uma risada mais aberta.Aquele pequeno sorriso já estava de bom tamanho.Me lembro do primeiro café da manhã:Estávamos à volta da mesa quando ele entrou na cozinha vindo dos galpões, e disse com aquele sorriso maroto que metade do gado leiteiro estava doente.Ante meu olhar de perplexidade , D. Adelaide enxugando as mãos no avental me tranquilizou:”preocupa não Fabio, nós só temos duas vacas de leite e uma adoeceu.”A farra foi geral e ele lá,com aquele leve sorriso nos lábios.Passamos a tarde do dia seguinte na varanda da casa, admirando aquela paisagem bucólica ,de coxilhas ,banhados e capoeiras que se sucediam a perder de vista.Para suportar o frio, tomamos, nós todos,seu Aparicio,D. Adelaide,Terezinha,Luis,Maria Helena e eu ,duas garrafas de cachaça curtida no butiá,passadas de mão em mão,como se fosse uma roda de chimarrão.
Eu ainda veria Tio Aparicio uma ultima vez, em Junho de 1975 , no casamento de meu cunhado em Belo Horizonte.Diagnosticado meses antes , a doença avançava rapidamente.Ele estava muito debilitado, e, quase não conseguia falar.Mas deu-me aquele sorriso curto e maroto ,já meu velho conhecido..
No dia 13 de março de 1976 — dia em que minha sogra completava 49 anos — Tio Aparicio desencilhou sua montaria, lançou suas boleadeiras em direção às estrelas e entrou para e eternidade.
Ano passado Tia Laida foi ao seu encontro.E eu em minha imaginação os vejo , naquela querência eterna, com banhados de águas serenas e poços de cristal .Ele, retornando dos seus galpões , entrando na cozinha, dando aquele sorriso maroto, passando o braço na cintura de Tia Laida, enquanto diz suavemente em teu ouvido:
“E agora vamos tomar café, minha prenda!
Fabio Botelho/2015
Os Gauchos e Eu – Rumo ao Sul
Em julho de 1972,decidimos,eu e Maria Helena ,que o destino de nossas primeiras férias seria o sul do país.De fusca!
Bem naquele tempo o movimento nas estradas era baixíssimo,alem disso , apesar de ser um fusca , não havia problema nas ultrapassgens.Caminhões e ônibus eram lentos.FNMs e Mercedes Benz não eram páreo para um Fusca 1500.principalmente nas subidas.Saimos de Belo Horizonte bem cedinho e a noitinha estávamos em Curitiba.Pernoitamos lá sem ser molestados pelo frio graças à calefação do hotel.Deixamos Curitiba na manhã seguinte quando os primeiros raios de sol surgiam no horizonte.Optamos pela BR-116 e ai o frio chegou.Foi necessário manter aquele ar quente durante toda a viagem.Almoçamos em Vacaria,já no Rio Grande do Sul ,e, ali mesmo deixamos a BR-116 e pegamos a 265,passando por Lagoa Vermelha,Passo Fundo Carazinho, e no entardecer chegamos em Cruz Alta.Cidade natal de Érico Verissimo e também da Maria Helena.Cruz Alta era uma cidade pequena,berço de triticultores,bastante aprazível,não fosse o frio ,que aquela altura já nos castigava até os ossos..Estacionamos em frente a casa dos tios de Maria Helena, Davi e Odete,sendo ela irmã de meu sogro.Tinhamos percorrido cerca de 2000 quilometras em dois dias ,sem qualquer tipo de incidente.À noitinha,depois de acomodados, nos sentamos para jantar.Não me lembro bem,mas acho que tinha, entre outras coisas, um caldo quente altamente confortador.Depois fomos para a sala ,onde uma lareira crepitava e inundava o ambiente com seu calor.Ali passamos momentos extremamente agradáveis.Embora aquela fosse a primeira vez que o via,e também a ultima,seu Davi era uma pessoa alegre,muito perspicaz e tinha sempre um comentário divertido sobre o que quer que se conversasse naquela sala.E foi ali,naquele ambiente ,que comecei a compreender ,ainda de maneira muito incipiente a alma daquela gente.Em momento algum,desde que pisei o chão daquela casa me senti desconfortável.Eu,que sempre fui uma pessoa tímida,arredia e acanhada— que o diga meus parentes de Araxá e Uberaba – tive ali,no Solar dos Ramos,aquela sensação plena ,de calor humano, de compartilhamento de pertencimento.Não me tratavam diferente.Era como se eu frequentasse aquela casa e aquela família ha muito tempo.Não mudaram seu jeito de ser;simplesmente foram ,o tempo todo, eles mesmos.
Aquela foi a única noite que compartilhamos,de forma tão rica,tão gratificante e,que guardo no coração com muito carinho.Na manhã seguinte partimos para Santo Angelo.
Fabio Botelho/2015
