Avôs,Avós e Sogras

Quem realmente são esses    entes  que gravitam em  torno de nossas vidas  desde  que nascemos? Perdi recentemente minha sogra e nessas ocasiões ,com muita frequência nossas mentes e corações relegam a segundo plano suas funções de dar suporte à vida   e brotam de suas entranhas reminiscências  e  emoções às vezes muito tempo adormecidas.Não conheci minha avó paterna.Teodora  era seu nome.Partiu quando meu pai ainda    era pequeno.Meu avô paterno  foi figura de destaque  em Araxá. Thiers  Botelho  foi um pioneiro   em muitos acontecimentos  que impulsionaram aquela comarca.A construção das termas do Barreiro, a estrada ligando a cidade àquele balneário,a estrada de Araxá a Uberaba, e, não poderia faltar a sua  dedicação  ao. aprimoramento da Raça GIr.Era um dos grandes  criadores  da região do Alto Paranaiba. Tenho poucas lembranças de sua figura.Tento buscar na memória e o  que me vem  á mente são seu rosto fino e seus cabelos brancos.Nada mais.Ah! me lembro também do alpendre de sua casa na Av. Antonio Carlos.Tinha uma pequena escada cujos degraus eram de mármore branco.

Meu avô materno  era um homem culto e afável.Faleceu quando eu tinha onze anos.Mas guardo em minha alma passagens   e lembranças com muita doçura e saudade.Eu não perdia por nada, suas conversas com a  sua montaria favorita.Crioula era uma mula muito singular.Trazê-la ao curral era uma jornada épica.Mas  quando se tratava do meu avô tudo era diferente.Bastava ele subir  na cerca de tabua do curral e gritar seu nome.Ela levantava a cabeça do pastejo e vinha trotando altaneira.Mas colocar-lhe o arreio no lombo era outra historia.Essa era o melhor parte de se assistir.Primeiro ele a amarrava ao esteio em frente à casa dos arreios.Ai  ele dava uma volta , ia até a cozinha tomava um café e voltava.Pegava os forros  e ficava andando em torno dela assobiando uma musica qualquer e de repente os  jogava  no lombo  da criatura..A danada murchava as orelhas, olhava pra trás   e resmungava.O arreio era colocado  com o mesmo ritual.E ai vinha o melhor;meu avô desfiava um rosário de imprecações   enquanto aguardava a chance de apertar  a barrigueira.Porque se ela percebesse  ela estufava a barriga. E ficava olhando pra ele!Outro momento que   nunca esqueci aconteceu quando eu estava no seu colo  numa cadeira de balanço escutando o Reporter   Esso ,num radio a pilha,onde a voz grave e inconfundível de Heron Domingues dava as últimas noticias da Guerra da Coréia e no final informava a cotação do Café  no Porto de Santos

. Repentinamente, sem mais nem menos dei-lhe um tapa no rosto.A resposta foi imediata e de  mesma intensidade.Comecei a chorar mas não sai de seu colo.Estávamos entendidos.

Minha avó materna  foi o meu amparo por muito tempo Num tempo ainda relativamente recente  era o nome dela que eu invocava   enquanto caminhava pelos campos da fazenda tentando desesperadamente  aplacar as minhas aflições e angustias.D. Odilia era uma mulher de pouca cultura mas de uma sabedoria infinita.Usava em suas conversas alguns termos interessantíssimos que a gente raramente   ouve   hoje em dia.Quando a gurizada aprontava ela dizia ” ó  frejélo”.Se alguém era muito esperto  sua expressão era “fulano é muito ladino”.

Muitas outras expressões se perderam no tempo.Era uma mulher maravilhosa.Mesmo depois de viúva convivemos muito tempo na fazenda.Na primeira vez que fui  passar férias lá  sem  a presença dela me sentei debaixo de uma arvore capitão  e chorei por mais de duas horas.Nunca mais as coisa seriam  como antes.

Minha sogra faleceu no final de Abril.Foi uma parceira  de meu casamento por 44 anos.Mãe e filha foram sempre amigas  e  companheiras.  Mas um dia a família se dispersou.O filho  medico foi para o sul do  país, a filha  para Ipatinga me acompanhando, e o marido partiu .Foi um período muito difícil para ela.Mas jamais se ouviu dela  qualquer queixa,qualquer recriminação ou   palavra de mágoa.Era uma pessoa sem rancores,sem raiva  e sem lamentos.Buscava levar uma vida  modesta mas recheada de amigas   que se apoiavam nas próprias necessidades e nas identidades.Foi-se embora numa tarde de domingo ,após momentos difíceis com o mal de Parkinson,do qual também nunca  esboçou qualquer queixa.Fico grato pelos momentos que tivemos e tenho certeza que D.Elair  hoje descansa  em paz ,  tomando seu chimarrão  contemplando as coxilhas eternas  de seu amado Rio Grande  do Sul.

Fabio Botelho

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